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23/11/2024
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“Será a eleição mais tensa desde o período da redemocratização”, diz especialista

“Elemento importante é o fato de Bolsonaro ter nesse momento uma rejeição galopante, que exige um esforço muito maior dele e de seus apoiadores e eleitores para se manter firme na disputa, inclusive para chegar ao segundo turno. Portanto, sua campanha provavelmente será muito mais agressiva do que a anterior para tentar compensar essa fraqueza”, afirma.

Para o advogado Camilo Onoda Caldas, o pleito irá acirrar ainda mais a polarização política existente e os embates acalorados

Na semana passada, a Organização dos Estados Americanos (OEA) enviou ao Tribunal Superior Eleitoral um relatório no qual “expressa preocupação pelo ambiente de medo e intimidação que impede os eleitores e candidatos de se envolverem na política”.

Em entrevista a O Antagonista, o especialista em Direito Político e Econômico Camilo Onoda Caldas diz que a OEA tem razões de sobra para se preocupar.

“Em primeiro lugar, pelos motivos apontados anteriormente, pois a cultura da desinformação não prejudica apenas o processo eleitoral, ele traz efeitos deletérios de curto e longo prazo para a sociedade e a economia como um todo. Basta observar quantas pessoas morreram ou estão sequeladas porque acreditaram que era melhor não se vacinar ou porque confiaram em fake news que diziam que a pandemia não era perigosa. Em segundo lugar, existe de fato no Brasil uma infiltração crescente das milícias nos processos eleitorais e na disputa de poder político”, diz.

Para Caldas, a eleição deste ano irá acirrar ainda mais a polarização política existente e os embates acalorados e será a eleição mais tensa desde o período da redemocratização.

“Elemento importante é o fato de Bolsonaro ter nesse momento uma rejeição galopante, que exige um esforço muito maior dele e de seus apoiadores e eleitores para se manter firme na disputa, inclusive para chegar ao segundo turno. Portanto, sua campanha provavelmente será muito mais agressiva do que a anterior para tentar compensar essa fraqueza”, afirma.

Leia a íntegra da entrevista:

Como o senhor analisa as eleições deste ano?

Seguramente, será a eleição mais tensa desde o período da redemocratização, iniciada em 1985. A eleição deste ano irá acirrar ainda mais a polarização política existente e os embates acalorados, sobretudo nos meios digitais, pois, ao que tudo indica, teremos no centro da disputa Lula e Bolsonaro, dois candidatos que possuem eleitores muito engajados na defesa daquele que preferem e no ataque do adversário. E mesmo os demais possíveis candidatos, como Ciro, Moro e Doria, também despertam reações igualmente viscerais em grupos distintos por diferentes motivos. Temos ainda um diferencial muito substancial em relação à eleição passada. Bolsonaro disputou dentro de um cenário em que se aproveitava da onda antipetista, ou seja, não precisou apresentar nenhuma proposta concreta para vencer, não foi cobrado pela ausência de uma agenda positiva. Agora a situação é muito diferente, pois, com uma agenda meramente negativa, não terá chance de triunfar. Pelo contrário, a pandemia mostrou os efeitos nefastos dessa postura inerte, na qual dizia ser contra a vacina. Além da mortalidade, isso afetou profundamente a recuperação econômica. Outro elemento importante é o fato de Bolsonaro ter nesse momento uma rejeição galopante, que exige um esforço muito maior dele e de seus apoiadores e eleitores para se manter firme na disputa, inclusive para chegar ao segundo turno. Portanto, sua campanha provavelmente será muito mais agressiva do que a anterior para tentar compensar essa fraqueza. Por fim, Bolsonaro disputa a eleição numa situação que ser reeleito pode ser a única saída para evitar que ele e seus filhos sejam presos, ou seja, tem muito mais a perder com a derrota desta vez, se comparada com a eleição anterior.

O que ainda é um ponto de preocupação? Por quê?

A preocupação nessa eleição é a mesma que existe hoje em nível mundial: como as tecnologias digitais podem influenciar, de modo ilícito, o processo eleitoral? Muitos ainda não notaram, mas estamos na transição de uma nova era, em que a lógica de disputa eleitoral está definitivamente vinculada com o cyberespaço e sua dinâmica. No Brasil, em particular, a preocupação que mencionei é dobrada, pois as eleições anteriores já demonstraram as dificuldades das instituições brasileiras em lidar com a influência eleitoral do uso da Internet e seus aplicativos, sobretudo os de comunicação, e as redes sociais. Claro que a utilização destes meios por si só não é problema, mas sim seu uso de forma ilegal, o que tem ocorrido sistematicamente. Um dos pontos que mereceu destaque nas últimas eleições, e mesmo durante estes últimos três anos, foi a disseminação de fake news, termo, aliás, que foi completamente desvirtuado, porque uma notícia falsa não é necessariamente uma fake news. A característica deste tipo de informação não é apenas a falta de veracidade, mas o fato de ser criada com um propósito específico e bem definido, inclusive político em alguns casos. Um erro jornalístico não é uma fake news. Muito diferente é a fabricação intencional de uma notícia sabidamente falsa para prejudicar outro candidato. Outro ponto de preocupação é a utilização de meios de comunicação digital à margem da legislação eleitoral, como, por exemplo, valer-se de empresas que patrocinam disparos secretos de mensagem por meio de aplicativos para favorecer um candidato ou atacar um adversário, conduta expressamente proibida pela lei brasileira. Considerando o cenário desfavorável para Bolsonaro nessa próxima eleição, podemos aguardar que teremos algo muito pior do que ocorreu nas últimas eleições.

Redes sociais sem sede no Brasil podem virar uma brecha indesejável para ações do TSE? Por que?

Sem dúvida nenhuma, sim. Em um cenário de normalidade, talvez essa questão não viesse à tona, mas no atual cenário existem preocupações bem fundamentadas. O TSE já firmou compromissos com WhatsApp e diversas empresas como Facebook, Google e outras para coibir a disseminação de fake news por meio destes aplicativos. No entanto, quando a empresa proprietária de uma rede social está sediada fora do Brasil, existem diversos problemas adicionais que surgem, dentre as quais destaco dois. Primeiro, existem dificuldades para que ela cumpra com eficiência e agilidade uma decisão judicial emanada de autoridade do Brasil, pois não está sob a jurisdição brasileira e, portanto, depende da cooperação das autoridades do Estado no qual está sediada. O segundo problema é a dificuldade para firmar os compromissos com as autoridades brasileiras, tais como os que mencionei anteriormente, e assim obter cooperação para prevenir e resolver intercorrências que estejam prejudicando a lisura do processo eleitoral.

Segundo especialistas, o Telegram representará o principal desafio digital das autoridades durante as eleições deste ano, já que o aplicativo não tem representação legal no país. Como o senhor avalia?

O cenário não parece nada promissor, sobretudo depois que as primeiras tentativas de tratativas entre o Poder Judiciário brasileiro e o Telegram fracassaram. Pode ser que a situação seja revertida, mas devemos considerar que a essa altura dos fatos é impossível que o Telegram não saiba o que está ocorrendo no Brasil e as preocupações existentes em torno do uso deste aplicativo. Portanto, existe, no mínimo, uma inércia por parte dessa empresa em tomar uma iniciativa e ser colaborativa com as autoridades brasileiras. É difícil avaliar as razões pelas quais isso está ocorrendo, mas há dois fatos incontestáveis: essa falta de cooperação aumentou a visibilidade desse aplicativo para potenciais usuários e, sobretudo, tornou o Telegram uma alternativa preciosa para os bolsonaristas, que enxergam a possibilidade de atuar livremente por meio dessa plataforma, a menos, é claro, que o TSE adote alguma medida mais radical, como bloquear seu funcionamento no Brasil.

A OEA expressou preocupação com eleições brasileiras. A Organização disse que recebeu informações sobre influência de milícias e observou que grupos associados ao crime se envolvem no processo eleitoral. Como o senhor avalia?

A OEA tem razões de sobra para se preocupar. Em primeiro lugar, pelos motivos apontados anteriormente, pois a cultura da desinformação não prejudica apenas o processo eleitoral, ele traz efeitos deletérios de curto e longo prazo para a sociedade e a economia como um todo. Basta observar quantas pessoas morreram ou estão sequeladas porque acreditaram que era melhor não se vacinar ou porque confiaram em fake news que diziam que a pandemia não era perigosa. Em segundo lugar, existe de fato no Brasil uma infiltração crescente das milícias nos processos eleitorais e na disputa de poder político. Vejam o assassinato ainda plenamente não resolvido da vereadora Marielle Franco por milicianos. Porém, este é um capítulo obscuro de nossa história, pois não conseguimos ainda descobrir com total clareza em quais instituições e em que nível dessa infiltração vem ocorrendo. Imagine, porém, ser um observador internacional e notar como o país fala cotidianamente em políticos milicianos, “familícia”, etc. Quem não ficaria preocupado?

Como melhorar a nossa cara com a OEA?

Se não houver uma ação específica e direta nesse âmbito por parte de autoridades federais e estaduais, dificilmente os problemas das milícias será resolvido. O Brasil precisa mostrar que está alinhado com o entendimento de que estamos em um novo momento político no qual as tecnologias digitais contaminam os processos eleitorais e ideológicos de uma forma nunca vista antes na história da humanidade. Nesse processo, inclusive, surgem as milícias digitais, que não deixam de ser organizações criminosas também. Se na sua origem víamos a Internet com um meio que traria mais informações para as pessoas, inclusive de forma descentralizada, ironicamente, agora ela se tornou o principal veículo de desinformação e dominada por menos de seis corporações mundiais, ou seja, de modo totalmente centralizado sob certos aspectos. Porém, como dizia Rousseau, uma vez que a civilização atinge um patamar, não é possível voltar ao estado de natureza, a uma situação originária, no nosso caso, num mundo pré-Internet, logo, só resta a solução semelhante àquela apresentada por ele: criar um arranjo político institucional capaz de lidar com uma nova realidade e seus problemas inerentes.

Como o senhor vê a instituição de federações partidárias? É bom ou ruim? Por que?

As federações partidárias são uma solução para tentar resolver um desafio que é manter a pluralidade partidária e, ao mesmo tempo, exigir deles uma identidade mais clara e bem definida. É bom por um lado porque a aglutinação existente permitirá ao eleitor entender melhor qual partido joga com quem, pois dentro de um mar de siglas, por vezes, o cidadão fica perdido sem saber em qual espectro político um partido transita e com quem possui afinidade. Por outro lado, a federação partidária é insuficiente, porque não resolve os problemas existentes no processo eleitoral e na democracia brasileira, que caminha para um cenário no qual o eleitor vai ficando cada vez mais apático e descrente em relação aos políticos e a política.

O presidente diminuiu os ataques às urnas, mas a militância segue aguerrida. O senhor acredita que os resultados vão ser contestados? Se sim, de que forma os tribunais eleitorais poderão reagir?

Aposto que os resultados serão contestados pelo presidente Bolsonaro se ele for derrotado. Aliás, digo mais, é capaz que ele conteste o resultado do primeiro turno, caso não tenha uma votação expressiva, o que é bem provável. Porém, se o argumento de Bolsonaro for de fraude nas urnas, usando os argumentos que tem utilizado até então, certamente ele não terá nenhum sucesso perante o Poder Judiciário, pois as teorias apresentadas por Bolsonaro até aqui são pura fantasia, sempre desprovidas de qualquer prova. É capaz até de ser condenado por litigância de má-fé se judicializar a questão. Por essa razão, acredito que talvez ele não tente seguir pela via judicial. Aliás, ele tem até um pretexto para não mover uma ação judicial, pois dirá que o TSE não tem isenção para julgar e faz parte do complô contra ele. Assim, se não seguir pela via judicial, no mínimo haverá uma contestação do ponto de vista retórico, ou seja, ele irá contestar nas redes sociais e dizer que foi vítima de armação. Inclusive, se Lula vencer, tenho certeza de que ele não passará a faixa presidencial, a exemplo do que fez o ex-presidente dos Estados Unidos da América Donald Trump, que rompeu uma tradição de mais de 150 anos. E podemos esperar que aconteçam incidentes semelhantes à invasão do Capitólio, ou, talvez, até coisa pior, a depender da temperatura política na época da eleição, que só tende a subir a partir do segundo semestre.

Fonte: O Antagonista

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